Originário do Reino Unido, por volta do final do século XIII, o instituto do impeachment apresentava características penais. Instrumento de vital importância para a implantação do sistema parlamentarista de governo na Inglaterra materializado no Bill of Rights, resultado da Revolução Gloriosa, ocorrida no final de 1688. Recepcionado pela Constituição americana, por meio da emenda n. 2, emergiu naquele sistema como instituto de características políticas. Desempenhou relevante papel no equilíbrio entre os poderes, fundamentando o sistema de checks and balances, guardião da separação e equilíbrio harmônico entre os poderes, proposto no clássico de Charles de Secondat, Montesquieu, em 1748, conhecido como O Espírito das Leis. No Brasil, foi inserido já na Constituição Imperial de 1824. Não atingia a figura do Imperador, em virtude do Poder Moderador disposto naquela Lei Maior. Pelo Poder Moderador, o Monarca ditava normas de caráter absolutista, desconexas com os ares Liberais respirados na Europa e nos Estados Unidos, desde 1789, conseqüência da Revolução Francesa, ícone das revoluções liberais burguesas e do advento do Estado Liberal de Direito. Em nosso sistema, no que pese respeitáveis posições doutrinárias distintas, assume, ao nosso ver, caráter predominantemente político, confirmado pelos dispositivos constitucionais a seguir analisados. Vale observar ainda que, desde a Constituição Imperial de 1824, o instituto do impeachment é representado em nosso Direito Positivo pela expressão crimes de responsabilidade.
O inciso I do art. 51 da Constituição Federal vigente delega à Câmara dos Deputados o poder de autorizar, por meio de dois terços de seus membros, a instauração do processo de impeachment contra o Presidente e o Vice-Presidente da República e os Ministros de Estado. Dispositivo constitucional representado pelo art. 52, I, determina a competência privativa do Senado Federal para processar e julgar o Presidente e o Vice-Presidente da República, bem como altas autoridades nos crimes de responsabilidade, definidos na Lei infraconstitucional n. 1.079, de 10 de abril de 1950.
O inciso II do art. 52 da Constituição Federal de 1988, atualizado por redação disposta na Emenda Constitucional n. 45, de 8 de dezembro de 2004, confere, ao Senado Federal, ampliando a sua competência privativa,também a competência para processar e julgar os Ministros do Supremo Tribunal Federal, os membros do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho Nacional do Ministério Público, o Procurador-Geral da República e o Advogado-Geral da União nos crimes de responsabilidade.
Destarte, são, entre outras, razões suficientes para ensejar a instauração do processo de impeachment contra o Presidente e o Vice-Presidente, bem como de outros agentes descritos pelo inciso II do art. 52 da Lei Maior, dispositivos mencionados, aquelas expressas no art. 85 do texto constitucional vigente. Merece destaque a citação preliminar do caput do próprio art. 85 que considera crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentem contra a Constituição Federal, e especialmente contra, a probidade na administração, bem como contra a lei orçamentária, expressos respectivamente nos incisos V e VI do mesmo. Evidentemente, dos crimes de responsabilidade definidos, segundo o parágrafo único, ainda do art. 85, anuncia a definição dos crimes de responsabilidade por lei especial, qual seja, a já mencionada legislação infraconstitucional, representada pela Lei n. 1.079/50, que, já em seu art. 1º define como crimes de responsabilidade aqueles por ela mesma especificados (Art. 1º São crimes de responsabilidade os que esta lei especifica.). Assim, o art. 4º da Lei n. 1.079/50, atualizada pela Lei n. 10.028, de 19 de outubro de 2000, praticamente repete a definição dos crimes de responsabilidade dispostos nos respectivos incisos do art. 85 da Constituição Federal de 1988.
O art. 5º, da mesma Lei, define os crimes de responsabilidade contra a existência política da União, valendo reproduzir alguns itens, como: 2. tentar, diretamente, e por fatos, submeter a União ou algum dos Estados ou Territórios a domínio estrangeiro, ou dela separar qualquer Estado ou porção do território nacional; 4. revelar negócios políticos ou militares, que devam ser mantidos secretos a bem da defesa da segurança externa ou dos interesses da Nação; — 6. celebrar tratados, convenções ou ajustes que comprometam a dignidade da Nação; 11. violar tratados legitimamente feitos com nações estrangeiras. O art. 6º, ainda da Lei n. 1.079/50, define os crimes de responsabilidade contra o livre exercício dos Poderes Legislativo e Judiciário e dos Poderes constitucionais dos Estados.
Destacando-se para efeitos de interesse de nosso estudo, entre outros: 2. usar de violência ou ameaça contra algum representante da Nação para afastá-lo da Câmara a que pertença ou para coagi-lo no modo de exercer o seu mandato bem como conseguir ou tentar conseguir o mesmo objetivo mediante suborno ou outras formas de corrupção; 6.usar de violência ou ameaça, para constranger juiz, ou jurado, a proferir ou deixar de proferir despacho, sentença ou voto, ou a fazer ou deixar de fazer ato do seu ofício.
O art. 7º define os crimes de responsabilidade contra o livre exercício dos direitos políticos, individuais e sociais. 5. servir-se das autoridades sob sua subordinação imediata para praticar abuso de poder, ou tolerar que essas autoridades o pratiquem sem repressão sua.
O art. 9º define os crimes de responsabilidade contra a improbidade na administração. 3. não tornar efetiva a responsabilidade dos seus subordinados, quando manifesta em delitos funcionais ou na prática de atos contrários à Constituição; 5. infringir, no provimento dos cargos públicos, as normas legais; 6. usar de violência ou ameaça contra funcionário público para coagi-lo a proceder ilegalmente, bem como utilizar-se de suborno ou de qualquer outra forma de corrupção para o mesmo fim.
O art. 12 define os crimes de responsabilidade contra decisões judiciárias. 2. recusar o cumprimento das decisões do Poder Judiciário no que depender do exercício das funções do Poder Executivo; 4. impedir ou frustrar pagamento determinado por sentença judiciária. Efeitos decorrentes de infrações cometidas contra a legislação conexa.
Suspensão da Função O caput do art. 86 determina que, admitida a acusação contra o Presidente da República, por dois terços da Câmara dos Deputados, será ele submetido a julgamento perante o Senado Federal, sendo suspenso de suas funções, conforme dispõe o §1º, II, nos crimes de responsabilidade, após a instauração do processo pelo Senado Federal. Outro aspecto peculiar, sobre o impeachment, por muitos negligenciado, mas de vital importância procedimental e fulcro de relevantes implicações de caráter político, está expresso no §2º do art. 86, o qual determina que: se decorrido o prazo de cento e oitenta dias, o julgamento não estiver concluído, cessará o afastamento do Presidente, sem prejuízo do regular prosseguimento do processo. Vale dizer, o Presidente da República reassume, automaticamente, suas funções plenas. Perda dos direitos políticos e da função pública O art. 15, da Constituição Cidadã de 1988 autoriza, em caráter excepcional, a cassação dos direitos políticos, cuja perda ou suspensão poderá ocorrer em alguns casos. Interessa-nos objetivamente o inciso V, cujo conteúdo dispõe sobre a infração da probidade administrativa, nos termos do art. 37, §4º.
De relevante importância é observar que o caput do referido artigo consagra a vinculação dos atos da administração pública aos princípios constitucionais da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.
O já mencionado § 4º do art. 37 elenca as punições aplicáveis a atos decorrentes de infrações aos dispositivos da Lei n. 8.429, de 2 de junho de 1992, conhecida como lei de improbidade administrativa, entre outras: suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.
O art. 9º da lei de improbidade administrativa tipifica doze tipos de condutas, descritas em seus respectivos incisos, detalhando as formas de vantagem patrimonial indevida, em razão do exercício de cargo, mandato, função, emprego ou atividade da Administração, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios, bem como de empresa incorporada ao patrimônio público, para cuja criação o erário tenha participado com mais da metade do capital.
O secular instituto do impeachment historicamente apresenta-se como excepcional alternativa para solucionar crises políticas, inclusive, as mais agudas. Considerado por alguns vulcão adormecido, mostra-se, quando invocado, vigilante e pronto para emergir a qualquer momento, como verdadeiro guardião defensor das instituições democráticas. Conforme demonstrado, foi incorporado já nos primórdios de nosso sistema jurídico, mas é ainda, por muitos, desconhecido. Entretanto, extremamente sensível à invocação da opinião pública, dos segmentos representativos da sociedade civil, particularmente das situações que envolvam direitos e garantias de interesse popular, sobre o tema recomenda-se a leitura dos fatos e conseqüências resultantes das recentes \”erupções\” nos casos: Fernando Collor de Mello e William Jefferson Clinton.
Publicado em Jornal Carta Forense – Data: 02/12/2005
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