Anterior ao Direito Positivo, o Direito Natural já garantia ao homem certos direitos, entre eles o mais importante: o direito à vida. Em 1215, na Inglaterra, os barões aliados à burguesia e ao povo, obrigaram o rei João Sem Terra a assinar um pacto. Conhecido como Magna Charta Libertatum, foi o primeiro documento formal oponível à excessiva concentração de poder do monarca representante do Estado Absoluto.
As revoluções liberais burguesas dos séculos XVII e XVIII consolidaram o movimento do constitucionalismo, cuja essência era limitar o poder do Estado Absoluto em favor dos direitos e garantias individuais, gravando-os em documento solene e formal, denominado constituição.
O registro da importância das constituições para a configuração do Estado moderno consolida-se no texto do artigo 16 da célebre Declaração de 1789, cujo conteúdo anunciava: “Toda sociedade na qual não está assegurada a garantia dos direitos nem determinada a separação dos poderes, não tem constituição”.
A constituição de um país é o conjunto de normas e princípios codificados em um texto formal, que organizam e regulamentam a estrutura jurídica, político e administrativa de um Estado, preservando sua soberania e conseqüente autonomia aos direitos e garantias do seu povo. É a sua lei máxima.
Percebe-se pela leitura preliminar do presente texto a importância do conhecimento e respeito de um país ao seu Código Supremo. Expressão máxima do direito positivo, a constituição representa, além das vitórias seculares de batalhas, muitas vezes sangrentas, das várias gerações de direitos sobre o absolutismo, verdadeiros registros oficiais codificados dos anseios, direitos e deveres do povo de cada país impressos em documentos próprios.
A divisão clássica dos poderes, proposta por Montesquieu é parte integrante das constituições modernas de países soberanos e liberais. A eventual desobediência às normas e princípios constitucionais representa, entre outros riscos, a negação de todas as seculares conquistas, previamente abordadas, permitindo a regressão a tormentosas e intempestivas dúvidas sobre os direitos e garantias do povo e das instituições democráticas de determinado país.
O problema se agrava, na medida em que, for praticado por representantes de um dos três Poderes. A redação do caput do artigo 37 da Constituição Federal de 1988 é de clareza hialina quando determina expressamente que: a administração pública direta e indireta, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedeça aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.
O Princípio da Legalidade consagrado no início da redação do caput do dispositivo constitucional é norma cogente para a administração pública, vale dizer, todos os atos praticados por qualquer representante de um dos Poderes, seja em que esfera for, deverá, inexoravelmente, estar previsto nos restritos limites da lei.
Algumas indagações de ordem prática emergem, naturalmente, do ventre do debate de tão polêmico e imprevisível tema, como por exemplo: quais são as infrações mais freqüentes à Lei das Leis e as correspondentes conseqüências decorrentes de seus efetivos cometimentos? quais as razões que induzem as autoridades a atentarem de forma irresponsável e recorrente contra as espécies normativas constitucionais, dando a impressão de governarem em causa própria? será o exercício do recurso ao Poder Judiciário uma eventual solução para minimizar reiterados equívocos contra a viga mestre do ordenamento jurídico pátrio?
No Brasil é pública e notória a titularidade pela incomoda estatística da administração pública pela autoria, em suas várias esferas, do maior número de infrações às normas constitucionais.
Analisando-se, mesmo que superficialmente, surpreendente estatística, verifica-se a existência dos mais variados tipos de ocorrências, entre eles os mais freqüentes são: desconsideração aos direitos e garantias individuais; conflito direto com a hierarquia normativa disposta no processo legislativo federal; questionamento da eficiência do Supremo Tribunal Federal em sua precípua função de guardião da Carta Magna; afronta à autonomia harmônica e efetiva invasão na esfera de competência dos Poderes, quando por exemplo, os representantes de uma das esferas do Legislativo restabelecem a validade de normas vetadas pelos respectivos representantes do correspondente Executivo; desestabilização da segurança jurídica; risco de submissão a privilégios governamentais; questionamento da soberania, elemento institucional dos Estados liberais modernos no cenário internacional e o conseqüente e indesejável afastamento do capital externo.
Desobedecer a Lei Maior significa o questionamento injustificável da validade das normas tecnicamente elaboradas a partir de prévio, complexo e específico processo democrático, como é o caso de uma Assembléia Nacional Constituinte, que tem por princípio, meio e fim, a fundamentação ética, política e social, pressuposto básico da existência de determinado Estado.
A preservação de determinados direitos imemoriais, de altíssimo e relevante interesse público, componentes indispensáveis à manutenção das garantias e liberdades inegociáveis passam a integrar a fórmula de uma instável equação.
Destarte pode-se concluir que, ao desafortunado país desconhecedor e desrespeitador de sua constituição, restará a sombria e nefasta perspectiva de incerteza sobre o futuro de suas instituições democráticas, tão bravamente construídas.
Publicado em: Revista Consultor Jurídico, 14 de outubro de 2004
Link: http://www.conjur.com.br/2004-out-14/desobedecer_constituicao_negar_vitoria_absolutismo