Há no planeta Terra, em pleno século XXI, algum espaço físico-territorial capaz de, em curto prazo, prover alimento e água potável suficientes para a sobrevivência da população mundial, por algum tempo? Algum país soberano concentra, pacífica e simultaneamente: a maior biodiversidade do planeta; um volume de água, capaz de gerar energia elétrica suficiente para suprir suas necessidades internas e de vários outros países; grandes jazidas de minério de ferro e de petróleo bruto?
Com efeito, considerando-se tamanha fartura natural e tanta tecnologia em um mesmo país, imagina-se ser este, atualmente, ou a curtíssimo prazo a maior potência econômica política e social do globo. Não é do Brasil que se esta falando? Analisemos alguns fatos históricos, políticos e sociais, a fim de tentar justificar a possibilidade de não ser o Brasil mencionado país.
No ano de 1503, assume a chefia da Igreja Católica o Papa Júlio II, Giuliano della Rovere, mecenas de grandes artistas. Chegou ao seu conhecimento a notícia sobre a existência de um local, na América do Sul, povoado por belas mulheres, dóceis e desnudas. Terra de exuberante natureza, fonte de metais e pedras preciosas que brotavam em sua rica superfície, que apresentava, ainda, grande diversidade e fartura de iguarias. Comentava-se: “ali sim, se encontrava o paraíso terrestre”.
Incomodado com surpreendentes notícias, o Papa Júlio II convocou o gênio Michelangelo, para que reproduzisse o verdadeiro conceito de paraíso, segundo as melhores tradições católicas, no teto da capela Sistina. Em virtude de razões comerciais e políticas inicia-se uma desenfreada migração de condenados, sentenciados à morte, ou à prisão perpétua. Bandos de leprosos, prostitutas e exilados, “a escória dos desafortunados da raça humana” afluiu ao anunciado paraíso.
Considerando-se os clássicos da literatura histórica, eis uma relevante versão sobre o descobrimento e colonização do Brasil. Relevante sim, pois, ameniza o lento processo de desenvolvimento político, econômico, jurídico e social do país-continente. Fundamenta, sobremaneira, o gênese dos problemas congênitos que comprometem o sistema pátrio.
Não se deve ministrar água com açúcar ao paciente que sofre de um mal considerado grave, de difícil cura. Recomenda-se planejado e preciso tratamento. Sugere-se a aplicação de um remédio eficiente e eficaz, de efeito gradual, progressivo e sistemático, a fim de se maximizar o percentual de sucesso da desejada cura.
Para melhor identificação do tipo de vírus infectante do sistema brasileiro, devem-se adornar, com cores fortes e generosas, os já mencionados problemas congênitos. Considerados como sintoma de indesejável epidemia, parasita que contaminou o Brasil, torna-se imprescindível a análise, ainda que superficial, do diagnóstico relativo a questões de conteúdo ético e coletivo. No seio delas, além do descobrimento e colonização, merecem atenção alguns temas acompanhados de suas respectivas implicações:
- o Poder Moderador expresso no art. 94, da Constituição Imperial de 1824;
- o fundamento parlamentarista sobre o qual se alicerçou a Assembléia Nacional Constituinte, para elaborar a Constituição Federal de 1988 cujas normas são aplicadas em um sistema presidencialista;
- o paradoxo gerado pela expressa autorização disposta no art. 37 do texto constitucional, entre o desconhecimento e as obrigações vinculadas ao agente político, no exercício de cargos públicos;
- as consequências da utilização de Medidas Provisórias em um sistema presidencialista;
- a recorrente desobediência ao sistema legal vigente, incentivando endêmica corrupção.
i. Objetivamente, o Poder Moderador estabelecido pelo art. 94, da primeira Constituição brasileira, a Imperial de 1824, atrasou em cento e dois anos o efetivo ingresso do Brasil no Sistema Liberal de Direito, vivenciado pelos países democráticos desde a Revolução Francesa de 1789. Fato que ocorreu no Brasil somente com a promulgação da primeira Constituição Republicana de 1891.
ii. Em 1986 elegeu-se uma Câmara Federal que, reunida em Assembléia Nacional Constituinte elaborou a Constituição Federal de 1988, a Constituição Cidadã. De caráter social, a Constituição vigente foi, predominantemente, elaborada para funcionar em um sistema parlamentarista de governo. Há de se observar que mencionado sistema não foi confirmado pela opção soberana do povo brasileiro, no plebiscito realizado em 1993. Decidiu-se, por maioria esmagadora, pela manutenção de um sistema presidencialista e republicano, onde a responsabilidade dos atos do Presidente da República são apurados de forma completamente distinta do Primeiro Ministro, chefe de governo, em um sistema parlamentarista.
iii. O art. 14 do Código Supremo vigente estabelece em seu parágrafo terceiro como condição de elegibilidade: a nacionalidade brasileira; o pleno exercício dos direitos políticos; o alistamento e o domicílio eleitoral; a filiação partidária e idades compatíveis com os cargos pretendidos. Conclui o texto constitucional serem inelegíveis, os inalistáveis e os analfabetos, porém sem especificar a graduação do analfabetismo destes últimos. Por seu turno, o art. 37, da mesma Constituição exige que os ocupantes dos cargos da Administração Pública e de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedeçam aos princípios constitucionais do Direito Administrativo, a saber: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Deflui da legislação constitucional apresentada, indesejável paradoxo que conduz à uma natural reflexão: como alguém, medianamente “alfabetizado” poderá atender aos princípios constitucionais da administração pública, plasmados no art. 37, ocupando cargos administrativos dos Poderes Executivo e Legislativo?
iv. Em um sistema parlamentarista de governo, a edição de uma Medida Provisória, eventualmente nefasta ao interesse público, tem como conseqüência natural a imediata substituição do Primeiro-Ministro e de todo seu Gabinete. Analogamente, em circunstância similar, no sistema presidencialista, o Presidente será apenas criticado, e talvez perceba a diminuição do índice de aprovação de seu governo.
v. Resta por derradeiro registrar algumas conseqüências óbvias quanto à desobediência ao sistema legal vigente. Dentre um vasto rol possível merecem destaque: a insegurança jurídica; o aumento da impunidade e corrupção; a crescente ameaça às instituições democráticas; o indesejado desprestígio do país na comunidade internacional, acompanhado da inoportuna diminuição de investimento do capital externo.
Estudos recentes, realizados por renomadas instituições internacionais de caráter científico, têm registrado a ausência do Brasil, ao menos nas próximas décadas, presente em um cenário econômico, político e social, característico das grandes potências mundiais. Resta-nos invocar a chama da democracia mantida pela soberania popular para exaltar a real vocação deste país-continente chamado BRASIL!”
Antonio Riccitelli