1. Introdução
Os contratos representam a formalização das relações comerciais entre os homens. Representam o meio mais eficiente de circulação de riquezas.O presente trabalho trata do estudo dos contratos atípicos, particularmente da polêmica em torno das regras aplicáveis sobre a matéria no novo Código Civil de 2002.
O histórico, o conceito doutrinário e a análise da complexa classificação sobre a tipologia dos contratos atípicos inauguram o presente trabalho. A discussão doutrinária sobre os princípios e cláusulas gerais que delimitam e norteiam o polêmico tema, bem como a correspondente aplicação e regulamentação dos contratos atípicos, no novo diploma legal integram, inexoravelmente, a parte principal deste estudo.
O advento da lei n. 10.406 de janeiro de 2002 exige uma análise detalhada das funções e das correspondentes conseqüências das aplicações dos princípios e cláusulas gerais balizadores dos contratos atípicos, particularmente, a função social do contrato, a boa-fé objetiva e a vedação à onerosidade excessiva.
A reflexão sobre a falta de regulamentação e a correspondente necessidade de aplicação de princípios e cláusulas gerais, como os citados anteriormente, conduz compulsoriamente a relevantes e produtivos debates. Assim, a dialética sobre o grau de importância da obediência à função social do contrato, em confronto com a liberdade contratual; a justificativa da presença da boa-fé objetiva na fase que antecede o fechamento do negócio, em sua execução, na produção continuada dos seus efeitos e também na fase pós-contratual; a extensão da aplicação do princípio da vedação à onerosidade excessiva consagrado pela teoria da imprevisão inserida na legislação brasileira pelo novel Código Civil, bem como a interpretação da correspondente aceitação jurisprudencial dos egrégios tribunais pátrios integram este trabalho.
A análise, ainda que superficial, sobre a exegese de tão polêmico tema encontrada no Código Civil de 2002, particularmente sob o aspecto do grau de inovação e aproveitamento do legislador da oportunidade impar de positivar legalmente os antigos e legítimos anseios da comunidade jurídica e da sociedade em geral, também integram o presente estudo.
Por fim, julgou-se oportuno a apresentação de efetivas propostas de emendas, às redações dos atuais dispositivos presentes no novo diploma legal.
2. Histórico e Conceito
Anterior ao Direito Positivo, o Direito Natural tinha como decorrência natural a máxima ubi societas ibi ius (onde há sociedade há o direito). Os usos e costumes das sociedades onde nasceram delimitavam os primeiros contratos, que, certamente eram informais. Para os romanos os contratos que não figurassem expressamente no rígido sistema de Direito dos Quirites, não gozavam de proteção jurídica e eram chamados de pactos. Tal situação persistiu entre os romanos até a época do Imperador Justiniano.
O progresso, as inovações tecnológicas e as necessidades socioeconômicas forjaram o nascimento de várias espécies de contratos, algumas difíceis de serem regulamentadas representando o rico e imprevisível cotidiano das relações humanas. Neste contexto evolutivo natural a liberdade de contratar antecedeu o princípio da autonomia da vontade, que na esfera contratual revolucionou os meios jurídicos e amenizou os excessos de formalismo herdados dos costumes romanos. Consolidou-se destarte um princípio geral, segundo o qual, quando duas pessoas contratavam obrigações mútuas e uma delas cumpria a sua, emergia, simultaneamente para a outra, a obrigação de contraprestar, devendo cumprir a sua parte da mesma obrigação.
O contrato inominado originou-se da condictio ob rem dati (ob causam datorum) ou causa data, causa non secuta do Direito Romano, que era uma ação destinada a obter a restituição do que se dava a outra parte, no cumprimento do contrato, que podia se estender àquela, em que ocorria doação, configurando destarte os primeiros abrandamentos do rígido sistema romano dando aos pactos força de contratos .
Ulpiano qualificou os contratos inominados como contractus incerti, contratos incertos, (Digesto, livro 9, XII, I.) e Gaio como negotia nova, negócios novos, (Digesto, livro 22, XIX, 5) que se enquadraram nas categorias reconhecidas pelo Direito Romano conforme divisão proposta por Paulo (Digesto, livro 19, 5, 5, par.): do ut dês; dou ut facias; facio ut dês e facio ut facias, significando respectivamente, dou para que dês; dou para que faças; faço para que dês; faço para que faças. Entre os romanos essas quatro espécies regularam os contratos inominados que não correspondiam aos tipos existentes. Leciona Álvaro Villaça Azevedo que a liberdade de contratar abriu novos horizontes às pessoas, que foram naturalmente criando inúmeros contratos, conforme suas necessidades atuais ampliando assim o elenco de convenções inéditas, paralelamente aos contratos tradicionais. Aduz o professor civilista que a força contratual nasce do poder de uma das partes exigir da outra o implemento de uma obrigação, desde que tenha cumprido a sua. Continua, afirmando serem as obrigações parte essencial dos contratos, a ponto de determinar sua natureza jurídica e define obrigação como sendo a relação jurídica transitória, de natureza econômica pela qual o devedor fica vinculado ao credor, e deve cumprir determinada prestação pessoal, positiva ou negativa, cujo eventual inadimplemento enseja o credor a executar o patrimônio do devedor, a fim de satisfazer seu interesse.
Observa-se a necessidade de, ao aplicar-se a terminologia nominados ou inominados aos contratos, deve-se fazê-lo com a devida ressalva da doutrina, pois, muitas vezes, o contrato tem nome, no ambiente de sua utilização, e não é considerado nominado, em razão de não se encontrar devidamente regulamentado em lei. Comenta Álvaro Villaça ser preferível a referência aos contratos típicos e atípicos, até porque os primeiros ajustam-se, ao contrário dos atípicos, em qualquer dos tipos contratuais estabelecidos em lei. Conclui, citando o art. 1.322 §2º do Código Civil italiano cujo conteúdo define como inominados ou atípicos todos os contratos que ainda não pertencem aos tipos, que possuem disciplina particular, desde que realizem interesses merecedores de proteção pelo ordenamento jurídico.
Define Silvio Rodrigues como nominados ou típicos os contratos aos quais a lei dá denominação própria e submete a regras que pormenoriza, e os inominados ou atípicos como aqueles que a lei não disciplina expressamente, mas que são permitidos, se lícitos, em virtude do princípio da autonomia privada. Surgem na vida cotidiana impostos pela necessidade do comércio jurídico.
A abundante possibilidade de contratar dificulta a regulamentação das formas contratuais, originando por conseqüência o criativo e fértil exercício das partes no campo da liberdade, que se espera condicionada a determinados princípios, a fim de não escravizar o homem, mas sim garantir o equilíbrio e harmonia entre as relações sociais. A denominação doutrinária atribuída aos contratos não regulamentados por legislação específica, não nos parece a mais adequada. A razão preliminar e principal desta discordância fundamenta-se no termo inominados em virtude do fato que todas as espécies contratuais possuem nomes. Assim referidos contratos serão por convenção, chamados de contratos atípicos.
Contratos atípicos são aqueles não disciplinados pelo Código Civil ou qualquer outra legislação extravagante. Objetivamente carecem de regulamentação específica. Mencionados princípios, expressamente introduzidos no novo Código Civil e os artigos correspondentes são a seguir relacionados: o da boa-fé objetiva, art.422; da função social do contrato, art. 421; e da vedação à onerosidade excessiva, art. 478.
Lembra Álvaro Villaça a importância da vontade dos contratantes na aplicação dos contratos atípicos, devendo as partes acautelar-se na fixação das normas contratuais, principalmente pelo fato de não haver regulamentação legal, a fim de fazerem valer as mesmas, desde que não contrariem os princípios gerais de direito, os bons costumes e as normas de ordem pública. Nesta esteira apresenta como referências doutrinárias Maria Helena Diniz e Orlando Gomes.
3. Classificação
É tarefa das mais difíceis a classificação dos contratos atípicos. A doutrina tem se mostrado tolerante às teses apresentadas em reconhecimento ao esforço exercido pelos jurisconsultos de nível internacional. O tema é tão relevante que tem sido debatido no plano internacional gerando propostas científicas dignas de reflexão no mundo jurídico.
Francesco Messineo classifica os contratos atípicos em contratos inominados em sentido estrito, ou puros. Inclui entre eles aqueles que contenham conteúdo completamente estranho aos tipos legais, por exemplo, contrato de garantia, e aqueles que contenham apenas alguns elementos estranhos aos legais, enquanto outros, com função prevalente, são legais, por exemplo, contrato de bolsa simples. Outro tipo considerado por Messineo são os contratos inominados mistos, formados por elementos legais todos conhecidos, dispostos em combinações distintas considerando-se várias figuras contratuais nominadas, podem estar entre si em relações de coordenação ou subordinação. Considerada esta última, segundo o autor italiano, a variação mais numerosa, e é composta por contratos unitários. Messineo apresenta também uma sistematização elaborada por Ludwing Enneccerus e acrescida por contribuições de Heinrich Lehmann, que de acordo com Messineo é a classificação mais rigorosa original e mais aceita.
Na atividade empresarial são classificados, entre outros, como atípicos os contratos de publicidade, o de hospedagem, o de cessão de clientela, a joint venture, etc.
Na lição de Orlando Gomes , contrato misto é aquele que decorre da combinação de elementos de diferentes contratos, formando nova espécie contratual não esquematizada na lei. Caracteriza-os a unidade de causa. Segundo o autor baiano os contratos atípicos são subdivididos em: contratos atípicos propriamente ditos e contratos atípicos mistos. Os contratos atípicos propriamente ditos, consoante sua ótica doutrinária, são aqueles que ordenados a atenderem a novos interesses, não são disciplinados especificamente na lei, reclamam disciplina uniforme que as próprias partes estabelecem livremente, sem terem como paradigma qualquer padrão contratual pré-estabelecido.
Para Álvaro Villaça Azevedo a mesma classificação corresponde aos contratos atípicos singulares, que define como figuras atípicas individualmente consideradas. Considera que os contratos atípicos mistos formam um conjunto de várias avenças que se somam e que se integram de modo indissociável, não tendo cada qual vida própria; é, portanto, uma contratação única complexa e indivisível. Apresentam-se com contratos ou elementos somente típicos; com contratos ou elementos somente atípicos e com contratos ou elementos típicos e atípicos. Já os contratos coligados na ótica do mesmo autor, são dois ou mais contratos que guardam sua individualidade própria sendo composto de várias contratações autônomas, mas ligadas por um interesse econômico específico.
4. Exegese no novo Código Civil
As denominadas cláusulas gerais surgiram nas codificações modernas, a fim de flexibilizar a rigidez dos antigos códigos, de elaboração casuística, e acompanhados por compulsória aplicação do método da subsunção. Outra relevante função das cláusulas gerais, na esfera contratual, é a de delimitar o exercício dos direitos subjetivos. Destarte, a efetiva aplicação dos mencionados princípios gerais de direito contratual, acrescidos ao advento destas verdadeiras cláusulas gerais autorizam o operador do direito, o magistrado em especial, a utilizar-se da flexibilidade necessária na aplicação do caso concreto diante de alterações fáticas incidentais e supervenientes introduzidas ao longo das relações contratuais. Consideradas por alguns autores como verdadeiras cláusulas gerais, a inclusão destas no Código Civil de 2002 permitiu efetivamente ao magistrado a aplicação da solução a cada caso concreto, considerando-se não apenas conceitos e princípios dispostos no próprio Código, mas também os de outros sistemas, como os presentes no Código Supremo vigente e nas inúmeras leis esparsas, modernamente denominadas de microssistemas.
Verifica-se certo consenso doutrinário sobre a aplicação de determinados princípios gerais de direito contratual aos contratos atípicos, conforme determina o art. 425 do Novo Código Civil, entre eles a Função Social do Contrato (art. 421), a Boa-fé objetiva (art. 422) e a Vedação à onerosidade excessiva (art. 478).
Referidos princípios ou cláusulas gerais funcionam como instrumentos balizadores da liberdade de contratar nos contratos atípicos, a fim de que, conforme ensina Álvaro Villaça exerça-se uma liberdade condicionada e não liberdade escravidão, instrumento dos que atual de má-fé, ou arbítrio das convenções, devendo o Estado intervir, para diminuir, cada vez mais, os abusos, a fim de que se realize o fim do Direito, que é a Justiça, depois da ordem e segurança sociais.
O princípio da autonomia da vontade, acrescido dos princípios gerais de direito contratual, como previamente apresentados, os expressamente consagrados pelo novo diploma legal, dentre outros, a função social do contrato, a boa-fé objetiva e a vedação à onerosidade excessiva fundamentam a celebração de contratos atípicos conforme dispõe o art. 425 do novo Código Civil: “É lícito às partes estipular contratos atípicos, observadas as normas gerais fixadas neste Código”.
A função social do contrato, inserida por meio do art. 421 na Lei n. 10.406/2002, que institui o novo Código Civil, determina que a liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato. Considerada como verdadeira cláusula geral, a função social do contrato consagrada no novo diploma legal tem como função preliminar e principal limitar a liberdade contratual dos direitos subjetivos a fim de garantir preliminarmente o cumprimento dos direitos coletivos. O contrato é a representação jurídica das operações econômicas, sua principal função é viabilizar a circulação de riqueza, efetiva ou potencial, tornando-se, portanto, matéria de interesse público, coletivo configurando a função social do contrato. Miguel Reale atribui grande importância ao tema e entende referido dispositivo realçar a função social do contrato, conseqüência natural da função social da propriedade: “A propriedade não é um direito absoluto, ela tem uma função social e uma função econômica, e é dentro dessa objetividade axiológica que se deve processar a interpretação do Direito. “Não haveria como consolidar a função social da propriedade sem que, ao mesmo tempo, se consagrasse a função social do contrato”.
A boa-fé objetiva, contemplada no art. 422 do novo Código Civil trata-se também, conforme defendem renomados autores, de uma cláusula geral, modelo de conduta social. Nesta condição colabora para determinar o comportamento devido pelas partes contratantes, funcionando como limite ao exercício de direitos subjetivos.
Para Antonio Junqueira de Azevedo permanecem do Código anterior os princípios da liberdade contratual; obrigatoriedade dos efeitos (o contrato faz lei entre as partes); relatividade dos efeitos contratuais, não prejudicam nem beneficiam terceiros (res inter alios acta, allis nec nocet prodest nec). A vontade comum dos contratantes é o ponto central. Ensina o professor Junqueira que a boa-fé objetiva, bem como a solidariedade, são considerados pelo novo diploma legal como princípios sociais. Observa a deficiência do art. 422, comparando-o com os sistemas norte-americano e europeu, onde o princípio da boa-fé é considerado cogente, permite a opção de escolha aos contratantes de modelo Standard, no norte-americano ou não, como ocorre no rigoroso sistema europeu.
Prossegue sua análise Antonio Junqueira apontando como falha do novo Código, a ausência dos contratos de franquia, de leasing e, principalmente, nenhuma regra sobre contratos coligados, bem como a ausência no art. 422, de disposição sobre comportamento pré-contratual, nem à fase anterior à conclusão, bem como pós-contratual. Antonio Junqueira de Azevedo cita um exemplo da importância da boa-fé inclusive na fase pós-contratual que vale a pena reproduzir. Uma pessoa, na Alemanha vendeu um terreno e afirmou ao comprador que, de lá, teria a visão do vale, configurando como uma vantagem a situação topográfica do imóvel. Reforçou referida vantagem o vendedor dizendo que no imóvel em frente a seu terreno, do outro lado da rua, não era permitido edificações elevadas. O interessado comprou o terreno e construiu uma casa, que, segundo a jurisprudência alemã, valia seis vezes o valor do terreno. O comprador estava muito satisfeito com aquela situação, até quando o mesmo vendedor comprou o terreno em frente, foi à Prefeitura, obteve licença para a mudança do projeto de zoneamento e construiu naquele local um edifício suficientemente alto para atrapalhar a vista do agora vizinho de frente. Apesar de haver terminado a transação de compra e venda, o comportamento do vendedor caracterizou evidente falta de boa-fé. Nos tribunais europeus a boa-fé é efetivamente exigida também na fase pós-contratual. Conclui o professor Junqueira afirmando expressivamente não se tratar de interpretar o que foi dito, mas o que não foi dito, e demonstrando a importância da obediência ao princípio da função social do contrato assim materializou o fato: “O contrato não é mais um átomo exclusivo dos contratantes, mas, sim, uma molécula, porque interessa a toda a sociedade”.
Segundo Giselda Hironaka a boa-fé objetiva, contemplada pelo Código Civil de 2002 é a mais célebre das cláusulas gerais. Entende-se por meio da boa-fé objetiva o que é fato, o que é psicológico, o que é virtude, que é moral. Defende Hironaka a presença do princípio vigilante do aperfeiçoamento do contrato não só no patamar de existência, mas também nos planos de validade e de eficácia. Para Hironaka, a boa-fé deve estar presente nas negociações que antecedem a conclusão do negócio, na sua execução, na produção continuada de seus efeitos, na conclusão e na sua interpretação e deve prolongar-se até mesmo para depois de concluído o negócio contratual, se necessário.
Baseado em texto elaborado durante a Idade Média, por Neratius, cujo conteúdo dispunha sobre a aplicação da teoria da condictio causa data causa non secuta, era conseqüência da teoria romana conhecida como teoria da imprevisão, o princípio da vedação à onerosidade excessiva, segundo o qual o contrato deveria ser cumprido baseado na imutabilidade das condições externas, presentes no ato da contratação. Havendo eventual alteração dessas condições dever-se-ia proporcionalmente alterar a execução do contrato.
Previsto pelo Código Civil de 2002, inserido na Seção IV, Da resolução por Onerosidade Excessiva, o art. 478 consagra o princípio da vedação à onerosidade excessiva prevendo a resolução do contrato nos casos dos contratos de execução continuada ou deferida, quando a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação.
Versão moderna da cláusula rebus sic stantibus, utilizada para amenizar o excessivo rigor francês na aplicação do pacta sunt servanda, a teoria da imprevisão encontrou no sistema pátrio grande resistência em sua efetiva aplicação, particularmente por não haver disposição expressa na lei que a autorizasse. A jurisprudência nacional demonstra a mencionada resistência à aplicação da teoria da imprevisão. Assim manifestou-se a Terceira Câmara Civil do Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco na manifestação de seu relator, Desembargador Djaci Falcão, que exigia para aplicação da referida teoria, que o evento modificador das circunstâncias iniciais do contrato fosse “excepcional, extraordinário, imprevisto e imprevisível, que modificasse de modo sensível e chocante o ambiente em que se formou a voluntas contrahentium” devendo cada caso ser examinado em si mesmo, no tempo e no espaço sob o critério da eqüidade. A teoria da imprevisão não foi aceita em decisões de casos de aumento de salário, de alta de custo de materiais ou de reajuste de preço, com resistência de aplicação confirmada pela admissibilidade de aplicação da teoria da imprevisão pela 5ª Turma do Tribunal Federal de Recursos, sendo relator o Ministro Pedro Aciolli, manifestando-se pela excepcionalidade de sua aplicação, vale dizer, aplicar ao caso concreto somente em casos especialíssimos.
Nesse diapasão mostrou-se pacífica a jurisprudência quanto a inaplicação da teoria da imprevisão no caso de inflação. Assim acolhendo a tese do Código Civil Italiano, o novo Código Civil brasileiro, por meio de seu art. 478 consagra, apesar da difícil aplicação demonstrada pela posição jurisprudencial de nossos tribunais, a teoria da imprevisão, perdendo a oportunidade de acolher simplesmente a vedação à onerosidade excessiva. Destarte concorda-se com a posição adotada por Álvaro Villaça quanto à suficiência da comprovação do desequilíbrio econômico do contrato, a fim de que ele possa ser modificado, em razão da simples ocorrência da onerosidade excessiva.
A posição doutrinaria majoritária é pela aplicação do princípio da vedação à onerosidade excessiva apenas nos contratos comutativos, conforme consta no texto do art. 478. Dentre outros, os principais requisitos necessários presentes para a aplicação de referido princípio são: contrato de execução diferida ou sucessiva; alteração substancial das condições econômicas no momento da execução comparando-se com as presentes no momento da celebração; onerosidade excessiva para um dos contratantes e vantagem excessiva para o outro e imprevisibilidade daquela modificação.
A efetiva aplicação do princípio da vedação à onerosidade excessiva, decorrência da teoria da imprevisão, tornou-se relevante quanto mais se verificou a importância que a implicação do desequilíbrio na economia do contrato afeta o conteúdo da juridicidade, apesar da resistência apresentada pelos tribunais pátrios como se verificou anteriormente, em razão de ausência de disposição expressa na lei que a autorizasse. Vale observar que sua aplicação está vinculada, como determina o próprio dispositivo legal do novo Código Civil, aos contratos de execução diferida, definidos como aqueles que dependem de evento futuro. Nestes tipos é imprescindível a existência de um hiato temporal que se inicia no momento da contratação e vai até o efetivo cumprimento da obrigação, pois é quando deve ocorrer o fato excepcional, imprevisível e estranho ao ambiente da negociação, no momento da efetiva contratação. Mencionado fato acarreta prejuízo excessivo radical a uma das partes, com explicita e extrema vantagem para a outra, ensejando seu enriquecimento ilícito. Verifica-se nesses casos a flagrante quebra do equilíbrio contratual.
5. Propostas de emendas
Em sua obra sobre a teoria geral dos contratos, Álvaro Villaça Azevedo elaborou um esboço de anteprojeto de lei para regulamentação geral dos contratos atípicos, quando apresenta normas de caráter geral que objetivam coibir os excessos de liberdade prejudiciais ao equilíbrio econômico dos contratantes. O artigo 4º do referido anteprojeto contém a seguinte redação:
“Art. 4º. As partes devem utilizar-se do contrato atípico, segundo sua função social, observando os princípios da boa-fé objetiva, desde o momento anterior à formação do contrato até o posterior a sua extinção; o princípio da igualdade entre os contratantes, e, principalmente, o da onerosidade excessiva para que não exista enriquecimento injusto ou indevido”.
Previstos e aceitos pela doutrina e jurisprudência pátria, os contratos atípicos foram, efetivamente positivados pelo novo Código Civil. Inovou o diploma legal de 2002 ao contemplá-los, falhou o legislador ao abordar o tema de forma tímida e superficial, perdendo a oportunidade de especificar normas de funcionamento e aplicação. Referiu-se o legislador expressamente aos contratos atípicos apenas no conteúdo do art. 425, conferindo-lhes a seguinte redação:
“Art. 425. É lícito às partes estipular contratos atípicos, observadas as normas gerais fixadas neste Código”.
Percebe-se pela leitura preliminar do texto a insuficiência da abordagem ao controvertido tema. Por um lado verifica-se a indefinição da licitude conferida às partes, que desejarem estipular contratos atípicos, por outro, a fragilidade e imprecisão, formal e quantitativa atribuída às normas gerais fixadas no dispositivo legal. Delegou o legislador, a responsabilidade para apontar e definir as anunciadas normas à hermenêutica jurídica.
Referidos princípios, ou cláusulas gerais devem funcionar como instrumentos balizadores da liberdade contratual, quando aplicados nos contratos atípicos, a fim de impedir arbítrios, abusos e, principalmente, o desequilíbrio entre as partes, fator que pode favorecer àqueles que atuam de ma-fé. A falta de regulamentação exige por parte do operador do direito, a aplicação rigorosa e destemida dos citados princípios, objetivando coibir o uso dos contratos atípicos como instrumentos de opressão ou de enriquecimento ilícito de uma das partes, fato abominado pelo Direito.
Pelo exposto, a fim de colaborar para o aperfeiçoamento da regulamentação dos contratos atípicos, resta como segue a nossa proposta de alteração da redação do atual artigo 425:
“Art. 425. As partes podem utilizar-se dos contratos atípicos, observados sua função social, a boa-fé, a vedação à onerosidade excessiva e as normas gerais fixadas neste Código”.
Prosseguindo e aproveitando a exposição doutrinária previamente apresentada, sugere-se a seguinte redação para o art. 422 do novo Código Civil:
“Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na fase pré-contratual do contrato, em sua conclusão e execução, bem como na fase pós-contratual, os princípios de probidade e boa-fé”.
Em relação à aplicação do princípio da vedação à onerosidade excessiva consagrado pelo artigo 478, do novo Código Civil, considerando-se a importância de obediência ao princípio da função social do contrato, sugere-se a substituição do termo resolução por revisão; considerando-se a posição do laesio enormis do direito romano e a fim de não acolher a teoria da imprevisão, de difícil aplicação no direito pátrio, conforme anteriormente demonstrado, sugere-se suprimir a expressão imprevisíveis; considerando-se, por fim, a inadequação de redação, substituir o termo devedor por parte prejudicada, ou parte lesada como ensina Nelson Borges : “No que se refere ao direito das partes o texto legal não admite dúvidas: ‘parte lesada’ poderá ser tanto o devedor como o credor. Por essa razão critica-se o dispositivo nacional, que depois de falar, corretamente em partes, sem qualquer justificativa termina por estender o benefício a apenas uma delas (devedor), ao falar em excessiva onerosidade, que não tem qualquer relação como o credor” restando como segue a redação do art. 478:
“Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários, poderá a parte prejudicada pedir a revisão do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação”.
Considerando-se ainda o termo resolução constante do art. 478 do texto original do novo diploma legal, quando fica claro ser apenas o devedor o beneficiário do direito de solicitar a resolução do mesmo, parece-nos evidente a tentativa do legislador em sanar o equívoco cometido oferecendo opção alternativa para a resolução do contrato no art. 479. Apesar da boa vontade demonstrada em respeitar o princípio do equilíbrio contratual, insistiu o legislador em inferir que o princípio da vedação à onerosidade excessiva é de uso exclusivo do devedor, subtraindo do credor o direito de exercê-lo, e ainda fez pior, puniu este último ao designá-lo como réu, na relação contratual e impor-lhe todo o ônus da revisão contratual.
“Art. 479. A resolução poderá ser evitada, oferecendo-se a parte beneficiada a modificar eqüitativamente as condições do contrato”.
6. Conclusão
Verificou-se ao longo da história que as relações econômicas e comerciais representadas pelos contratos passaram por várias influências atingindo o equilíbrio, entre o rigor francês do pacta sunt servanda e a relativização da cláusula rebus sic stantibus contemporaneamente representada pela teoria da imprevisão. Prevalece a formalidade do cumprimento da obrigação contratual, mas modernamente admiti-se a revisão contratual nos casos de prejuízo excessivo de uma das partes e a conseqüente possibilidade de enriquecimento ilícito da outra, fato inaceitável diante dos princípios gerais do Direito.
O aumento, em profusão, das diversas modalidades de negócios na sociedade contemporânea ensejou o surgimento e aumento da utilização de contratos não previstos pelo direito positivo. Apesar de utilizados já no antigo direito romano, conhecidos então como contratos inominados, os contratos não regulamentados por legislação específica são hoje designados como contratos atípicos.
Em que pese a falta de regulamentação específica correspondente ao manuseio e efetiva aplicação, os contratos atípicos obedecem a determinados princípios e cláusulas gerais de direito sedimentadas pela doutrina, como verificou-se ao longo deste estudo. Assim, além dos princípios convencionais, pilares do Direito, como o da igualdade, da segurança jurídica, da vontade das partes, da liberdade contratual, entre outros, os contratos atípicos receberam por parte do novo Código Civil relativa atenção. Percebe-se certo consenso doutrinário sobre a aplicação dos princípios e das consideradas, por alguns autores, como verdadeiras cláusulas gerais, dentre eles a função social do contrato, a boa-fé objetiva e a vedação à onerosidade excessiva.
De fato a previsão legal sobre contratos atípicos foi expressamente contemplada apenas por um dispositivo, o artigo 425 do Código Civil de 2002. Ao nosso ver perdeu o legislador, não só a grande oportunidade de aprofundar a análise, determinar a classificação, o funcionamento e a expressa regulamentação dos contratos atípicos, bem como, quando tentou fazê-lo materializou a regulamentação do complexo tema de maneira superficial e desencontrada. Exagerou no formalismo ao indicar a resolução dos contratos como solução única, contrariando frontalmente a orientação básica da função social dos contratos, tão festejada pela Comissão elaboradora do novo Código Civil. Errou ao atribuir responsabilidades e deveres apenas ao credor, inclusive de maneira inadequada, como, por exemplo, quando inadvertidamente o designa de réu, conforme percebe-se pela redação do artigo 479.
A anunciada preocupação com o caráter social festejada no novo diploma legal, representada particularmente pela obediência ao princípio da função social do contrato, decorrência do princípio constitucional da função social da propriedade, tornou-se o principal limite à liberdade contratual, em virtude da necessidade de atender-se o interesse coletivo acima do individual. Devido a sua relevante natureza econômica e patrimonial, e função circulante de riquezas, o contrato deve compulsoriamente garanti-la a fim de, principalmente, atender sua relevante função social.
Verificou-se que a desvantagem de uma das partes ocorre com maior freqüência nos contratos atípicos, que, por não estarem previstos em lei, permitem às partes, particularmente, àquelas que agem de má-fé, um campo fértil para imposição de desigualdades. Destarte, sugere-se aplicação rígida e destemida, por parte do aplicador do direito, dos princípios e cláusulas previamente mencionados relativos aos contratos atípicos, a fim de evitar que a irrestrita liberdade que configura tais ajustes não se torne instrumento de opressão ou de enriquecimento ilícito de uma das partes contratantes, fato inaceitável pelo Direito.
Espera-se que no decorrer da vigência do novo Código Civil diminua progressivamente a resistência à aplicação ao princípio da vedação à onerosidade excessiva em nosso sistema. Referido princípio considerado pela doutrina, juntamente com a boa-fé objetiva e a função social dos contratos como pilares legais dos contratos atípicos, determina a resolução ou ajuste dos contratos que imponham ônus excessivo para um dos contratantes com flagrante e excessivo benefício para o outro.
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