A era do conhecimento materializada particularmente pela tecnologia da informação pavimenta o surgimento de novos conceitos da teoria das organizações. Entre eles a “descentralização e diversificação”; “qualidade total”; “células de produção”; “treinamento permanente”, etc. Também conhecidos como módulos, emergem como decorrência natural do aumento das novéis demandas da sociedade.
Neste contexto os novos paradigmas organizacionais ampliaram os conceitos de objetivos tradicionais como “maior produção com menor custo” para “produzir ou prestar serviços com mais qualidade, criatividade e confiabilidade com o menor custo possível”. O crescimento de opções de produtos ao alcance da renda do contribuinte altera o modelo convencional de decisão do tipo sim ou não, ampliando o leque de opções do consumidor. Destarte, não se recomenda, por exemplo, a aplicação da tese tradicional da administração vertical que usaria o tradicional “controle” para minimizar eventuais crises. Mencionado mecanismo colocaria em risco a vitalidade e criatividade da organização.
No setor público, um dos maiores entraves à gestão pública moderna e eficiente é, sem sombra de dúvida, a corrupção. Sufrágio universal, presente em toda a história da humanidade, a corrupção deve ser considerada como a filha da impunidade. No Brasil o nível de impunidade vigente, representado por atos impensados de alguns agentes públicos das variadas esferas da Administração é alarmante. Conceituada por grandes doutrinadores como um desvio de conduta grave, insuportável, a corrupção é também vista como fato inaceitável aos padrões de moral e dos bons costumes.
As máximas: Oboedientia fecit regem, ou, não há poder de comandar sem dever de obedecer, bem como, obligatio et jus sunt correlata, significando, não há direito de exigir sem obrigação de cumprir, representam, sobremaneira, as várias formas de relações do homem com o Estado. Nessa dimensão, tanto na geração atual e singular de um direito, como na geração histórica e geral dos direitos vale a expressão: o direito nasce da obrigação e o poder nasce do dever. O Estado deve respeitar e garantir os direitos fundamentais da pessoa humana, anteriores e superiores ao dever da responsabilidade em regulamentar as relações públicas da vida em sociedade.
Para o representante máximo da teoria contratualista, Jean Jacques Rousseau, o Estado existe para promover o bem comum. Justifica-se sua existência enquanto atender à vontade do povo, que tem o inexorável direito de alterá-lo, renovando assim o conteúdo do Contrato . A teoria do contrato social transcende às teses de respeitáveis doutrinas, e vincula-se histórica, e definitivamente aos ideais revolucionários plasmados pela ideia de liberdade e igualdade, inerentes ao homem e anteriores ao direito positivo. Vale anotar que a família é universalmente reconhecida como célula mater da sociedade política, em seu sentido mais restrito, e como Estado, em seu conteúdo mais amplo. Neste ponto, descortina-se a relevante oportunidade de se conceituar o bem comum. Não deve haver referência a uma espécie particular de bens, mas sim a um conjunto de condições. Entre elas: a ordem jurídica; a garantia de elementos que favoreçam o desenvolvimento integral da personalidade humana; os valores materiais e espirituais julgados, individualmente, por cada homem, como necessários para a efetiva consolidação e expansão de sua personalidade.
Portanto, quando se afirma que o Estado tem por finalidade o bem comum, significa que o mesmo deve, compulsoriamente, perseguir a criação de condições que possibilitem, a cada homem, ou grupo social, a realização de seus interesses pessoais.
Partindo-se dos matizes acima expostos, emerge uma série de indagações, aflições, dúvidas e incertezas recorrentes que, certamente angustiam as mentes e os corações do povo brasileiro. Povo dócil, mas inconformado se questiona sobre a qualidade da relação com o Estado brasileiro. Deste conflito, muitas vezes subliminar, florescem dúvidas como: O Estado brasileiro tem cumprido seu papel na secular visão contratualista adotada pelos modernos países democráticos? Como justificar tamanha desigualdade social? Porque o Brasil não cresce há mais de vinte anos? Há razões técnicas e materiais que justifiquem a razão de um país-continente empunhar uma espada bradando 39% de desenfreada tributação pairando sobre seus súditos? Quais razões podem fundamentar o fato de um país como o Brasil apresentar insignificantes índices de crescimento econômico e social? Qual posição ocupará o Brasil, entre os países emergentes, nas próximas décadas? Há justificativa lógica e racional para que o índice dos juros oferecidos para o investimento de capital externo ser o maior do mundo (em torno de
18%), quando a média global não passa de 3%?
Sobressai a impressão de que o atual Estado brasileiro, insiste na equivocada política pública de privilegiar o capital estrangeiro, em detrimento dos interesses das Empresas Nacionais, do crescimento interno e em benefício dos juros extorsivos impostos aos contribuintes do sistema econômico-político-social pátrio. Cristaliza-se destarte, o modelo de Gestão Pública inadequado para administrar a abundante receita tributária auferida em detrimento do crescimento de um modelo econômico sustentável, desejado pela sociedade brasileira, bem como pelas mais modernas.
Diante das múltiplas e distintas adversidades, pergunta-se: como administrar temas por demais controvertidos de nosso sistema administrativo, tributário e organizacional, significativos obstáculos ao nosso crescimento econômico, político e social? Como atingir o equilíbrio proposto pela obligatio et jus sunt correlata e mantê-lo diante da desigual capacidade do Estado em exigir, sem a correspondente obrigação de cumprir?
Além da indesejável e persistente corrupção, vale mencionar outros relevantes problemas congênitos e históricos do sistema político-administrativo pátrio, como: o descobrimento e a forma de colonização; o significativo atraso do ingresso do Brasil no rol dos países democratizados causado pelo Poder Moderador, presente na Constituição Imperial de 1824; o recorrente desconhecimento e desobediência ao sistema legal vigente; o fatídico equívoco de elaboração de uma Constituição planejada para funcionar em sistema parlamentarista; o paradoxo gerado pelos controversos arts. 14 e 37 do Código Supremo vigente e, as nefastas conseqüências geradas pela inadequada utilização de Medidas Provisórias em um sistema presidencialista.
Em contrapartida ao aumento da autonomia e participação na receita tributária, conferida aos municípios pela Constituição Federal de 1988, novos encargos e atribuições integram o cotidiano dos governos locais. Ecléticos desafios emergem em vários setores, assumem múltiplas formas e aspectos. Não obstante, tornam-se estéreis ao tocar solo infértil, gerando administrações desprovidas de recursos financeiros e mão de obra qualificada, gerenciadas por políticas públicas inadequadas que ensejam o surgimento de sistemas ineficientes e, muitas vezes, ilegais.
Por seu turno, a Carta Magna vigente inovou sobremaneira, normatizando os institutos basilares da Administração Pública. Nesta dimensão, a Constituição Cidadã ameniza o caráter predominantemente jurisprudencial do Direito Administrativo, responsável pela crescente ingerência do Poder Judiciário sobre as normas originalmente gerenciadas pelo administrador público. Diminui por conseqüência o volume da edição de normas relativas ao funcionamento da MáquinaPública pelo Supremo Tribunal Federal – STF.
A codificação constitucional das normas administrativas também consolida o objetivo preliminar do constitucionalismo , qual seja: limitar o poder do Estado, organizando, controlando e responsabilizando suas ações institucionais ou representativas, assegurando aos cidadãos o pleno exercício de seus direitos
individuais e garantindo mais transparência aos atos administrativos realizados por seus agentes, dificultando assim o crescimento da corrupção.
Percebe-se um crescente reconhecimento na importância de constitucionalização das normas administrativas, a ponto de, alguns doutrinadores consagrarem uma Teoria Geral do Direito Constitucional Administrativo. Sublinha a Constituição Federal de 1988 os Princípios Constitucionais da Administração Pública nocaput de seu art. 37 cuja redação foi modificada pela Emenda Constitucional n. 19/98 transcreve-se: “A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:”
Diante dos já mencionados e anacrônicos problemas, além da constitucionalização das normas do Direito Administrativo, afortunadamente, outras medidas foram tomadas a fim de minimizar os entraves a uma gestão pública moderna e eficiente. Prevista pelo art. 37,§ 4º da Constituição Federal de 1988, a Lei n.8.429/92, Lei da Improbidade Administrativa, estabelece as sanções aplicáveis aos agentes públicos, nos casos de enriquecimento ilícito no exercício do mandato, cargo, emprego ou função Administrativa Pública direta, indireta ou fundacional e dá outras providências. Considerada por alguns doutrinadores como efetivo código de moralidade administrativa, a Lei Federal n. 8.429/92 consagrou a responsabilidade subjetiva do administrador público. O art. 11 hospeda o conceito de ato de improbidade administrativa, segundo o qual é qualquer ação ou omissão que violando os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições atentem contra os princípios da Administração Pública.
Nesse diapasão surgiu, mais recentemente, a Lei Complementar n. 101, de maio de 2000, a Lei da Responsabilidade na Gestão Fiscal – LRF. Partindo-se da premissa que o equilíbrio orçamentário é fundamental para uma boa gestão a Lei de Responsabilidade Fiscal surgiu para regrar os princípios constitucionais da Administração Pública, torna-se um poderoso instrumento de controle da gestão pública.
A análise científica das propostas, substrato para a imediata solução dos recorrentes problemas brasileiros, representados por temas corrosivos às estruturas centrais do sistema econômico-político-jurídico-social brasileiro, demonstra o grau de complexidade envolvido. Acrescente-se que o presente ensaio assume o aspecto de um verdadeiro manual codificado. Pretende-se apresentar soluções alternativas a complexos questionamentos de como promover um Desenvolvimento Nacional revestido de formas e ritmo suficientemente consistentes, para a efetiva construção de UM NOVO BRASIL.
Exsurge de exaustivo estudo, o salutar debate que permite o florescimento de respostas e benefícios imediatos aos anacrônicos e já mencionados problemas brasileiros. Com efeito, mesclando questionamentos e correspondentes soluções de conteúdos, quer seja sobre temas básicos, ou daqueles advindos de dimensões orientadas por perspectivas de pluralismo jurídico, social, político e organizacional, nada ou muito pouco pode escapar à poderosa e holística lente telescópica focada nos persistentes problemas brasileiros.
Decorrência natural da fluente análise e reflexão, de plano emerge um vasto rol de propostas de caráter pragmático, merecendo entre elas, especial atenção, as de efeito geral e imediato:
1. Economia de recursos públicos gerados em função da redução do número de órgãos públicos, incluindo ministérios.
2. Motivação do servidor público, capacitando-o e assegurando-lhe remuneração compatível com a qualificação e dedicação, bem como, cobrando-lhe, em contrapartida, a correspondente responsabilidade.
3. Adoção do Modelo Econômico baseado em redução da incidência da carga tributária para as pessoas físicas e jurídicas.
4. Incentivo ao encerramento da guerra fiscal entre os Estados e Municípios.
5. Revisão da legislação cível. Reforma do sistema penal adotando medidas mais severas para crimes contra a pessoa humana, economia nacional e popular e outros que interfiram no equilíbrio social, particularmente os que permitem o tráfico de drogas, contrabando de armas, lavagem de dinheiro, etc.
De outro prisma, mas sempre buscando a excelência na Administração Pública, aproveita-se para indicar alguns pontos basilares que devem constar do foco principal do Estado moderno:
1. Prevalência de competência do Estado-nação sobre conflitos entre este e a economia global.
2. Gestão dos conflitos da sociedade civil, ampliando a participação da cidadania, com transparência.
3. Efetiva aplicação do poder regulador da economia para atender as necessidades vitais da população, minimizando a importância da rentabilidade das empresas envolvidas na atividade regulada.
4. Majoração da qualidade, eficiência e participação dos governos locais na prestação de serviço coletivos e individuais.
5. Reversão da nefasta tendência, recentemente observada em nosso continente, relativa à deterioração da renda observada na maioria dos segmentos sociais, particularmente na classe média que se tornou a classe dos “novos pobres”.
Além dos já analisados, dentre os maiores desafios postos para o gestor público contemporâneo é digno de nota, o desconhecimento e, ou, a desobediência à legislação vigente.
O Princípio da Legalidade consagrado nos artigos 5º,II e caput do 37, ambos da Constituição Federal de 1988, determina que: “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. Para o administrador público, mencionado princípio assume características particulares. Setor onde o agente público eleito, concursado ou nomeado, deverá agir exclusivamente em virtude de lei previamente aprovada. Ao administrador público é inescusável a alegação do desconhecimento, muito menos omissão no fiel cumprimento das normas integrantes do direito positivo pátrio.
O artigo 37 do Código Supremo vigente é cristalino quando determina a obrigatoriedade de obediência aos princípios constitucionais expressos em seu caput, a saber: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Entretanto, paradoxalmente, o mesmo Código, por meio de seu artigo 14, parágrafos 3° e 4°, enseja a coexistência de líderes carismáticos, legalmente eleitos, porém desprovidos do conhecimento básico da língua mãe, agravado pelo decorrente desconhecimento da legislação vigente.
Diante de mencionado paradoxo, torna-se relevante apresentar as principais características do perfil de administrador considerado ideal, para enfrentar e resolver as questões anteriormente analisadas, são elas: a) habilidade para conciliar o carisma político com demandas técnicas e legais; b) conhecimento
geral e obediência ao direito positivo brasileiro; c) conhecimento específico e obediência aos princípios administrativos constitucionais, particularmente os consagrados pelo art. 37 da Constituição Federal de 1988; d) atendimento às orientações da Lei de Responsabilidade Fiscal; e) sensibilidade às exigências do
cidadão-cliente mais informado, exigente e ciente de seus direitos; f) criatividade suficiente para evitar o aumento do nível de tributação, fazendo mais com menos; g) dinamismo e empreendedorismo suficientes para ampliar a capacidade de realização de parcerias e captação de recursos; i) capacidade para ouvir e aplicar sugestões dos conselhos comunitários; j) ser descentralizador responsabilizando os atos de gestão realizados por sua assessoria técnica.
Principais características desejadas no perfil de gestor local:
a) aproveitar o início de cada gestão para atualizar a Lei Orgânica Municipal – LOM; b) propor um Plano Diretor adequado às necessidades locais; c) planejar políticas públicas adequadas submetendo-as ao Legislativo com autonomia e isenção; d) cercar-se de assessores competentes, éticos e comprometidos com os legítimos interesses públicos locais; e) revestir de caráter técnico-legal as decisões políticas de sua gestão.
Eis, talvez, um dos maiores desafios para o gestor público contemporâneo, vale dizer, como compatibilizar interesses políticos legítimos com acentuado desconhecimento de antagônicas obrigações e determinações técnicas e legais? A usual e pragmática solução que se apresenta é a de cercar-se de assessores competentes, geralmente profundos conhecedores das questões administrativas e legais do cotidiano funcionamento da máquina pública, revestindo os atos do gestor com fortes cores, técnicas e legais.
Entretanto, para a aplicação das mencionadas propostas adjetivadas pela participação de capital humano, outras variáveis surgem, sendo dever de ofício registrar, por exemplo, a baixa remuneração oferecida ao técnico competente que é simultaneamente demandado e melhor remunerado pela iniciativa privada.
Considerando-se o inexorável fato de vivenciarmos a era do conhecimento, parece-nos adequado a aplicação de medidas que conduzam uma efetiva e substancial ampliação do volume de investimentos no capital humano. Acrescente-se que para combater problemas congênitos e complexos como o da corrupção, nada melhor do que o acréscimo de conhecimento e participação em respectiva gestão, elementos naturalmente gerados por sistemáticos treinamento e capacitação do agente
público e de todos os interessados na melhor gestão da res pública.
Publicado em ACOPESP – Associação dos Contabilistas e Orçamentistas Públicos do Estado de São Paulo.
Link: http://www.acopesp.org.br/artigos/Dr.%20Antonio%20Riccitelli/indice.htm